quarta-feira, 22 de novembro de 2023

“Grandes óperas não toleram nem um minuto de atraso... Bom motivo para não ir.”



            Um belo jovem, em sua residência, prepara-se para sair, enquanto, no teatro de ópera, todo o elenco se prepara para entrar em cena. A progressão das duas narrativas é mostrada intermitentemente. A veloz intermitência deixa claro que ambas as narrativas objetivam a pontualidade. Surge, então, a legenda: “Grandes óperas não toleram nem um minuto de atraso”. Aproxima-se o ato derradeiro. Os músicos adentram o palco e o jovem, ao seu automóvel. Todo o elenco já está quase pronto. O automóvel segue em disparada pelas ruas da cidade. As narrativas paralelas delineiam a iminência do início do espetáculo e da chegada do jovem ao seu objetivo, que seria o teatro. No entanto, o automóvel passa, em disparada, na frente do teatro já fechado, quando surge a legenda: “Bom motivo para não ir”.

            Este é o resumo da propaganda de um automóvel, veiculada recentemente, que suscitou o presente artigo, pelos seguintes motivos: O automóvel em questão é um dos atuais símbolos do poder aquisitivo, portanto, objeto de valor desejado pela elite brasileira. A ópera, desde 1597, quando Jacopo Peri escreveu “Dafne” (um misto de teatro e canto) caracteriza-se por ser um espetáculo criado para o deleite da elite “iniciada” e mecenas. Portanto, por que criar um conflito entre interesses comuns? A elite está mais burra a ponto de fazer chacota de  seu próprio objeto-valor construído e utilizado para ostentar a diferença entre a sua capacidade de fruição musical e o gosto popular dos pobres mortais? Enfim, será que, sem nos considerarmos intelectualmente inferiores ou um imbecis desinformados, nós já podemos dizer: Não gostamos de ópera!? Este artigo veio à luz com a intenção de discutir a incompatibilidade entre o grande público e a ópera e/ou o canto lírico. Veio para bradar contra a ditadura da “música universal” (termo que, na verdade, pode ser traduzido por música antiga europeia”), que leva o apreciador da canção popular a creditar que ele admira uma arte menor por ser incapaz de fruir plenamente o canto lírico.

            Concebemos a canção como a extensão estética da fala. Isso quer dizer que, quando falamos, pretendemos que o destinatário compreenda o conteúdo da fala e, não, a sua expressão, que são as curvas de entoação, o timbre, o ritmo etc., isto é, importa mais o que foi dito do que como foi dito aquilo que foi dito. Quando cantamos, ao contrário, damos ênfase à expressão, ou seja, damos mais importância à maneira como é dito aquilo que é dito; todavia, sem prescindir da inteligibilidade do texto verbal.  Temos, então, a fala como a função utilitária e o canto como a função artística da matéria produzida pelo aparelho fonador.

            As partes do corpo envolvidas na produção da fala, portanto, que compõem o aparelho fonador, são os pulmões, traqueia, laringe, epiglote, cordas vocais, glote, faringe, véu palatino, palato duro, língua, dentes, lábios, mandíbula e cavidade nasal. Todo esse aparato utiliza-se das correntes de ar pulmonar, glotal e velar para produzir uma fonte de energia acústica modificada por ações articulatórias. Quando, ao falar, emitimos vogais, permitimos a passagem relativamente livre do ar, e, quando emitimos consoantes, o ar é obstruído de alguma maneira.

Todos esses órgãos, no momento em que servem à fonação, cumprem sua função precípua que é a de falar. E, quando falamos, nossa energia de emissão é pequena, pois visa à audição de um interlocutor que, salvo situações extraordinárias, encontra-se a uma pequena distância. No entanto, quando um cantor de ópera coloca todo esse aparato em função do canto, ele emite a palavra cantada numa intensidade que gira em torno de 90 decibéis para atingir um público de aproximadamente 1500 pessoas e suplantar a energia de emissão de toda a orquestra. Dessa maneira, altera toda a articulação dos órgãos do aparelho fonador e seu modo de obstrução e liberação das correntes de ar. O resultado é o comprometimento da inteligibilidade do texto. Por várias vezes, em cursos e palestras, solicitei ao público que identificasse (sem citar o nome e a autoria da obra) a língua em que é cantada a Ária (cantilena) das “Bachianas Brasileiras Nº 5”, de Heitor Villa-Lobos. Ouvi as repostas mais variadas, mas nunca que se tratava da língua portuguesa. Além disso, as óperas são cantadas geralmente em italiano, alemão e russo, fato que, juntamente com o exposto imediatamente acima, talvez seja a primeira barreira que se põe à frente do destinatário “não iniciado”. (continua nos dois próximos artigos)

·         Artigo originalmente escrito para a revista O III Berro.

 


quinta-feira, 16 de novembro de 2023


 

JABÁ X JOBIM – ou porque as rádios tocam a mesma coisa

        Tramitou no Congresso Nacional, a partir 2003, o projeto de lei 1.048/03 do deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), que pretendia tornar criminosa a prática do jabá, e foi  aprovada pela CCJ, em 2011. No entanto, até onde consegui apurar, o projeto de lei foi arquivado. Entendamos o que é e como funciona o jabá:

        Jabá é a forma que os donos de gravadoras encontraram para obrigar as rádios a tocar apenas as canções que se coadunem ao mercado, ou seja, sob o eufêmico título "verba de divulgação", as gravadoras oferecem propina para que as rádios toquem a produção de seus artistas. Algumas grandes redes, segundo a matéria da Folha de São Paulo publicada em 15 de abril de 2011, chegam a cobrar até R$ 20.000,00 para inserir apenas uma música de lançamento. Atualmente, esse valor certamente é muito maior.

         Antônio Rosa Neto, presidente do Grupo dos Profissionais de Rádio, afirma, na reportagem supracitada, que a lei de Fernando Ferro "é absolutamente impertinente e indevida" e que "se o objetivo é prestigiar a cultura, o Estado deveria criar escolas de arte. Música é antes de mais nada, negócio, entretenimento".

         É interessante notar até onde vai a bestialidade daqueles que elegem o capital como bandeira, profissão de fé.

          Não podemos esquecer que ninguém compra o direito de colocar uma rádio no ar. O proprietário de uma rádio lhe tem concedido, sim, este direito, porém, segundo regras e prescrições, dentre as quais figuram a veiculação de informação, a promoção da cultura e o respeito à família. Para que ele possa arcar com as despesas de manutenção de seu veículo de comunicação, o Governo lhe concede, também, o direito de comercializar os intervalos. No entanto, o senhor Rosa Neto pretende que seja legal a comercialização de todo o espaço, fato que, dentre outras coisas, leva à exclusão a produção dos cancionistas que não dispõem de grandes cifras para obrigar os "donos" de rádio a tocar suas canções. Por isso, somos privados de ouvir Rosa Passos, Ná Ozzeti, Guinga, Monarco, Chico Buarque, Tom Jobim, dentre muitos outros cancionistas donos de uma lavra de qualidade incontestável.

           Ouvi, certa vez, de um amigo, diretor artístico de uma grande rádio em Ribeirão Preto, que ele tinha espaço para veicular aproximadamente 120 canções e estava sendo obrigado a veicular 130. Um programador de uma outra grande rádio da mesma cidade me dissera o seguinte: "Gostaria muito de tocar sua canção, mas não posso". Atualmente, a função do programador de rádio se limita à organização da lista de canções impostas pelas grandes gravadoras.

            Chegou-me aos ouvidos o caso do cancionista Pedro Lee, que recebeu, a título de dádiva, de uma grande rádio ribeirão-pretana, cujo segmento é o pop-rock, algumas inserções em sua programação já comprometida com o jabaculê (nome original do jabá). Logo que começam a tocar sua canção, a rádio fora avisada por uma grande gravadora que, se continuasse tocando canções daquele cancionista, teria sua cota de jabá suspensa. Não preciso dizer que o cancionista foi excluído da programação. Curioso, eu questionei como a gravadora ficara sabendo daquele fato. Então, explicaram-me que havia um monitoramento,  via satélite, feito pelas gravadoras, para que pudessem elas controlar a programação das rádios. Algum tempo depois, fiquei sabendo que o esquema não era tão sofisticado assim. Conversando com um conhecido, em um bar próximo à minha casa, fiquei sabendo que ele e mais algumas pessoas, "ingenuamente", trabalham para grandes gravadoras, da seguinte maneira: cada um ouve de quatro a seis rádios por período e relacionam as músicas por elas tocadas, entregando, ao fim de um tempo pré-determinado, um relatório às gravadoras, que poderão, com ele em mão, conferir se suas ordens estão sendo cumpridas.

         É sabido, também, que a grande maioria dos locutores de rádio combinam previamente, fora do ar, o pedidos dos ouvintes que, infelizmente, se prestam a simular uma situação real quando entram ao vivo na programação.

         Nos últimos anos, surgiu uma nova modalidade de jabá, ainda mais repugnante: as gravadoras, além de pagar para tocar suas canções sertanejas, pagam para que as rádios não toque as da concorrência.

        Enfim, as rádios fingem veicular Tostines (toca porque é sucesso), mas, na verdade, veiculam vários Denorex (aquilo que parece, mas não é), que quase sempre não são nenhuma Brastemp. Dessa maneira, trocam Jobim por Jabá, fingindo não ver a poesia que a canção popular brasileira entorna no chão.

 

·        Artigo atualizado, originalmente escrito para a revista O III Berro, em 2011. Parece que a coisa não mudou muito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Vinil x CD


  Engana-se o leitor que pensa que o presente texto se propõe a pôr “mais lenha nesse inferno” – como diria Itamar Assumpção – ou apresentar argumentos em favor do vinil ou do CD.

            Eu sempre preferi o CD; acho que o ideal seria um CD com uma capa do tamanho da capa do Long Play (também chamado de vinil), mas este não é o tema desse artigo.

            Acontece que, pesquisando sobre o assunto, deparei com uma entrevista do Mayrton Bahia, um dos maiores produtores musicais do Brasil, na qual ele colocava a questão por um viés, do meu ponto de vista, muito interessante.

            Primeiro, estão endeusando o vinil, tratando-o como uma entidade. No entanto, Mayrton se diverte com a seguinte máxima: “se o som do vinil fosse melhor do que o do CD, cinema seria feito com vinil”. Claro que o produtor foi extremamente irônico, pois essa possibilidade não existe.

            Outra coisa, ele deixa claro que os LPs – dos Beatles, por exemplo – fabricados em Londres, nos EUA e no Brasil são muito diferentes, por uma razão muito simples: as fábricas e seus profissionais também são diferentes. O que acontecia é que os profissionais que preparavam as “masters” – matriz a partir da qual se fabrica os LPs -, ou seja, os masterizadores, naquela época, eram muito bons. Então, ao perceber que faltava “pegada” ao som da fita original, eles atuavam “artisticamente” - equalizando, comprimindo etc. - obtendo, muitas vezes, melhores resultados do que os das fitas que saíam dos estúdios.

            Imaginem que, no Brasil, sabe-se que todo LP que saía com defeito de fábrica ou encalhava voltava ao processo químico para fazer novos vinis, isto é, além de reutilizar matéria prima, a máster produzida fabricava centenas de milhares de LPs. Pra encurtar o caminho, esse processo é análogo ao do carimbo, isto é, logicamente as últimas cópias não eram tão boas quanto às iniciais.

            Quando surgiu o CD (Compact Disc), alguns desavisados, acreditando em milagres, passaram a fita de mixagem final do estúdio diretamente para o CD, sem nenhum tipo de masterização. É claro que ficou faltando muita coisa! Hoje já não é mais assim, os CDs são masterizados e, depois, prensados.

            Desse modo, fica claro que a entidade vinil não existe! Se um LP não for bem masterizado por um profissional competente e experiente e fabricado com ótimos masters e stampers (estampadores, literalmente), seu som jamais será superior ao mesmo trabalho prensado em CD. É isso.

Confira a entrevista citada no link abaixo:

http://canalbrasil.globo.com/programas/o-outro-lado-do-disco/materias/mayrton-bahia-da-sua-opiniao-no-eterno-embate-qual-e-melhor-vinil-ou-cd-ou-digital.html


quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Música Popular x Música Erudita – Uma Falsa Polaridade Semântica




            Quando ainda estava na faculdade, entrei na sala da coordenadora do curso e, de chofre, perguntei: qual é a diferença entre música popular e música erudita? A querida professora não tinha resposta para me dar, pois essa falsa polaridade semântica advém muito mais de fatores relacionados a ideologias do que à estrutura musical.

            Em geral, chama-se a música de concerto de música erudita ou clássica. No segundo caso já temos um enorme erro, pois a música clássica é aquela criada no período clássico. Mas o erro é pior ainda, pois se denomina de erudita um tipo de música, como se o termo pudesse delimitar um gênero. Do mesmo modo, quem utiliza o termo música erudita, lança mão da expressão música popular para designar um tipo de música que, em tese, seria uma contraposição à chamada música erudita. Música popular também não define um gênero (samba, rock, baião, xote etc.); talvez uma categoria?

            Gostaria de fazer uma breve reflexão como o prezado leitor. É sabido que Carlos Gomes, o maior nome na ópera brasileira, chegou a ser compositor de modinhas, uma tradição no seu tempo. Além disso, o compositor de “O Guarani” sempre foi muito criticado pelos erros gramaticais e ortográficos dos cartazes que criava para seus concertos.

            Também sabemos que um dos empecilhos para maior divulgação da obra de Villa-Lobos no mundo são os erros de escrita encontrados em suas partituras, tal como notas que não existem em determinados instrumentos. Desnecessário mencionar a paixão do autor das “Bachianas” pela chamada música popular.

            A questão é a seguinte: por que, não obstante os comentários acima, esses compositores são considerados eruditos e Luiz Tatit, por exemplo, cancionista e professor titular da USP, classificado como um músico popular? Sem falar da notória erudição de outros cancionistas brasileiros, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil (ex-ministro da cultura) etc.

            O leitor pode estar intrigado: “mas é a música que é erudita e, não, o músico”. Pensemos por esse viés.

            Erudito se opõe a inculto e, não, a popular, que, na verdade, se opõe a aristocrático e, não, a erudito, isto é: erudito x inculto e popular x aristocrático. Será que a canção de Chico Buarque pode ser incluída numa categoria considerada inculta? E por que seria considerada aristocrata uma música produzida por músicos dependentes de mecenas, que, quase sempre, viviam às custas da aristocracia?

            Na verdade, na oposição Música Popular x Música Erudita subjaz um preconceito muito parecido com o preconceito linguístico. Explico: a música de concerto é sempre grafomediada, ou seja, mediada pela escrita, pela partitura; e a música popular advém da tradição áudio-oral, fato que não quer dizer que o chamado músico popular não estude seu instrumento e/ou estruturação musical.

            Com a sistematização da harmonia funcional para o Jazz, cada vez mais os cancionistas e os músicos populares também se apropriam da tecnologia grafomediada; Tom Jobim é o maior exemplo no âmbito da canção de consumo. Do mesmo modo, a música de concerto passou a fazer experimentações que pouco necessitavam da partitura; o grande exemplo nesse âmbito é Jonh Cage.

Hoje podemos pensar num gráfico cartesiano em que um dos eixos representaria a tradição grafomediada e, o outro, a tradição áudio-oral. A partir disso, poderíamos classificar um compositor, um fonograma, um CD, um DVD, um arranjo, um show, um concerto etc. Tom Jobim utilizava a partitura para compor, mas fazia Bossa Nova. Villa-Lobos utilizava temas do folclore brasileiro. Luiz Cláudio Ramos escreve em partitura os arranjos de CDs e shows de Chico Buarque. Dona Edith do prato canta tocando prato e jamais se aproximou de uma partitura. Graficamente, grosso modo, esses artistas poderiam ser classificados da seguinte maneira:

Penso que, feitos os ajustes necessários ao modelo visual, esse modo de classificar artistas e obras seria mais justo do que o preconceituoso modelo atual que, de acordo com a ideologia adotada, despreza ou desprestigia produções musicais não contíguas à cultura que serviu de referência.  É isso.

(Texto originalmente escrito para a revista “O III Berro”.)

Márcio Coelho é cancionista, licenciado em música, mestre e doutor em linguística, área de concentração: semiótica da canção.

 

 


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Estesia e Canção Infantil

 

ESTESIA E CANÇÃO INFANTIL[1]

Márcio Coelho[2]


 

            Há muito, tenho observado a dificuldade que alguns textos apresentam às crianças, no que concerne à apreensão de seu conteúdo. Notem que estou utilizando o termo “texto” na acepção da semiótica de linha francesa, ou seja, como qualquer objeto de significação: um filme, uma história em quadrinhos, uma canção popular etc. No presente artigo, especialmente, abordarei a ocorrência desses problemas em textos de ordem auditiva e/ou visual.

            Chamou-me a atenção para esse assunto uma HQ da Turma da Mônica, na qual o personagem Dudu, um menino não alfabetizado, observando uma turma de meninas que brincavam de roda, questiona o conteúdo dos brinquedos cantados. As meninas cantavam: “Escravos de Jó jogavam caxangá...”, Dudu intervém querendo saber quem era aquele tal de Jó e por que ele tinha escravos, fazendo a defesa dos direitos trabalhistas. Em seguida, pergunta às meninas o que é caxangá. Como nenhuma delas soube responder, foi para casa consultar a sua mãe. Pouco tempo depois, retorna com a seguinte resposta: “Caxangá é um decápode, braquiúro, da família dos portunídeos, mas também pode ser chamado caranguejo” (na verdade, os dicionários dão siripuã como sinônimo de canxangá, portanto, caxangá é siri e não caranguejo). Dudu faz a defesa dos animais, afirmando que os escravos de Jó poderiam jogar palitinhos, em vez de caranguejos. Daí, ele segue questionando o conteúdo dos brinquedos cantados, até que as meninas se aborrecem e dele se afastam. Caminhando, mais à frente, Dudu encontra outra turminha brincando: “Eu fui no Itororó beber água e não achei...” Imediatamente, Dudu interpela as meninas, indagando o porquê de no Itororó não ter água: “seria por causa de um racionamento?” A história termina.

            Qual de nós não cantou “Atirei o pau no gato” da seguinte maneira:

 

“Atirei o pau no gato tô 

Mas o gato tô

Não morreu reu reu

Dona Chica ca

Dimirô cê cê

Do berrô, do berrô

Que o gato deu

Miau[3]!”

 

            Privilegiando a expressão em detrimento do conteúdo, ou melhor, a melodia em detrimento da letra, a canção transforma o substantivo paroxítono em oxítono, ao incidir o acento melódico sobre sua última sílaba, e berro vira “berrô”. O soldamento das notas musicais que incidem sobre as vogais “a” do último “ca” de “Chica ca”  e a mesma vogal de “admirou-se” anula o ataque da emissão da vogal do início do verbo pronominal, isto é, tudo funciona como um efeito de crase entre os dois “as”: “Dona Chica caa dmirou-se se”. Somado a esse (d) efeito de sentido está o fato de os brasileiros pronunciarem um “i” após consoantes mudas. No Brasil, fala-se “capitar”, em vez de captar; “impreguinar”, em vez de impregnar; portanto, é natural também que o vocábulo admirar seja pronunciado de maneira semelhante: “adimirar”. Dos vocábulos terminados em “ou”, que denotam um tempo passado, os falantes brasileiros suprimem o som do “u”, então ouvimos frases como as seguintes: (i) “A Ana ‘passô’ por aqui”, “A Fátima ‘namorô’ o Márcio”, em lugar de “A Ana passou por aqui”, “A Fátima namorou o Márcio”. Dessa maneira, o conteúdo do verbo pronominal se perde (“admirou-se” torna-se “dimiroce”), mas o vocábulo ganha outro sentido, pois, quando ouvimos “dimirô cê cê”, compreendemos o “d” - que deveria ser mudo, mas ganha do falante brasileiro a prótese “i” – como se fosse a preposição “de” (que também pronunciamos “di”), que denota  “procedência, origem, ponto de partida”. Então imaginamos (ou a criança imagina) que o brinquedo fala de uma certa Dona Chica que é natural ou moradora de “Mirocecê”; ou quem sabe ela é de “ Mirocecê do Berrô” e deu um gato (“do berrô que o gato deu”). Importante notar que, com exceção de “morreu”, todas as palavras que têm sua última sílaba repetida são paroxítonas. Tal repetição termina por acentuar a última sílaba dessas palavras, fazendo com que a tendência do ouvinte seja compreendê-las como oxítonas. Daí para inferências equivocadas em relação à tonicidade dos vocábulos é um pequeno passo.

            Se indagarmos às crianças sobre o conteúdo de “Atirei o pau no gato”, teremos muitas surpresas, embora, certamente, há unanimidade em relação à eficácia de sua expressão. É deveras improvável que alguma criança brasileira não tenha cantado com enorme prazer, ao menos uma vez na vida, “Atirei o pau no gato”, independentemente da apreensão de seu conteúdo, que, diga-se de passagem, trata de um crime contra a fauna, de uma violência gratuita, mas isso é outro assunto.

            Transportando essa questão para um ambiente em que a tradição escrita predomina sobre a tradição oral, ou seja, para o âmbito da erudição - em oposição ao folclórico, tratado até o momento -, verificamos que muitas canções para crianças, produzidas na atualidade, não primam por facilitar a apreensão de seu conteúdo, embora mantenham os pequenos ouvintes atentos, por vezes até extasiados: é o caso de “O Zotro”, de Márcio Coelho, e “Gramática”, de Sandra Peres e Luiz Tatit.

O Zotro

 

Márcio Coelho

 

O Zotro não me deixa sossegado

O Zotro fica olhando para mim

O Zotro com “esse zóio esbugaiado”

Sabe tudo, tá ligado

O Zotro não larga de mim

O Zotro é um bicho cabeludo

Não fale mal do Zotro por aqui

Senão o Zotro vai ficar zangado

E no sentido figurado

O Zotro mete a boca em mim

 

O Zotro vem

O Zotro vai

O Zotro encanta

O Zotro nasce como a fala:

Na garganta

Para espantar o mal do Zotro

A gente canta

Pra afugentá-lo, faz careta

Se levanta, se levanta, se levanta, se levanta

Bruuuuuuuuuuuu!

 

O Zotro vem chegando de mansinho

Tal como ectoplasma ou querubim

Às vezes quero até ficar sozinho

Não tem jeito, quando eu olho

O Zotro tá perto de mim

O Zotro também gosta de fofoca

O Zotro fala mal de qualquer um

Tem personalidade de boboca

Ele invoca, mas, enfim

É mais bobão do que ruim

Gramática

 

Sandra Peres e Luiz Tatit

 

O substantivo /é o substituto

Do conteúdo

O adjetivo /é nossa impressão

Sobre quase tudo

O diminutivo /é o que se aperta no mundo

E deixa miúdo

O imperativo /é o que aperta os outros

E deixa mudo

Um homem de letras /dizendo idéias

Sempre se inflama

Um homem de idéias /Nem usa letras

Faz ideograma

Se altera as letras /E esconde o nome

Faz anagrama

Mas se mostro o nome /Com poucas letras

É um telegrama

Nosso verbo ser /É uma identidade

Mas sem projeto

E se temos verbo /Com objeto

É bem mais direto

No entanto falta /Ter um sujeito

Pra ter afeto

Mas se é um sujeito /Que se sujeita

Ainda é objeto

Todo barbarismo /É o português

Que se repeliu

O neologismo /É uma palavra

Que não se ouviu

Já o idiotismo /É tudo que a língua

Não traduziu

Mas tem idiotismo /Também na fala

De um imbecil

            Não é preciso ser um especialista para inferir que as crianças que admiram essas duas canções - e outras canções desse tipo - não compreendem a integralidade do conteúdo manifestado.

            “O Zotro” faz uma brincadeira no nível da manifestação da língua; apresenta uma migração de fonema que produz uma sonoridade, embora comum, que pode causar estranheza a um estrangeiro estudante da língua portuguesa, por exemplo. O “s” do artigo definido “os” migra, no plano fônico, para o pronome indefinido “outros” (o           soutros). Da mesma maneira como acontece com “admirou-se” - em que o encontro vocálico “ou”, funciona como um “dígrafo”, ou seja, manifesta apenas um fonema -, o “ou” de “outros” é pronunciado como se aquele encontro vocálico fosse a notação de apenas uma sonoridade, então ouvimos “otro” no lugar de outros. Também não é raro o brasileiro suprimir o “s” no final de alguns plurais, principalmente dos mais regulares, em que se acrescenta apenas o “s”. Então, onde deveríamos ouvir “os outros”, ouvimos “o zotro”. Daí para criar um personagem não foi difícil. Logicamente esta figura antropomorfizada tinha de falar mal dos outros, ficar perto dos outros, importunar os outros, isto é, surgir exatamente nos momentos em que a “garganta” - ou melhor, o aparelho fônico - cria condições para o seu nascimento (“o Zotro nasce como a fala: na garganta”).

            Já a canção “Gramática” trata da língua em seu nível imanente, ou seja, trata de seus princípios de organização: regras sintáticas, classificação de palavras, figuras de linguagem etc., além de fazer poesia por meio da morfologia, quando mantém o pospositivo “grama” e agrega-lhe três antepositivos diferentes (“ideo”, “ana”, “tele”) para exemplificar modos de manifestação da escrita, de acordo com culturas e necessidades diversas (“ideograma”, “anagrama” e “telegrama”).

            Conclusão: é obvio que as crianças que gostam dessas duas canções não são capazes de perceber e apreciar essas peripécias lingüísticas, portanto, não é de seu componente fincado no inteligível, de seu conteúdo, enfim, de sua letra que os pequenos ouvintes destilam seu encanto. Claro que os ouvintes com um pouco mais de idade conseguem compreender aqui e ali algumas mensagens do conteúdo, mas, com certeza, no geral, não é essa compreensão que os leva a ouvir cada vez mais a canção de que gostam. Qual é a chave desse mistério, então?

A Estesia

            Os cancionistas com trabalho infantil que respeitam a integridade e a capacidade intelectual da criança e postulam um lugar no mercado – diga-se de passagem, dominado por pseudo artistas mais preocupadas com a venda de seus subprodutos do que com a qualidade da canção infantil -, sabem que é preciso agradar também os pais das crianças, pois quem compra CD são eles.

            As loiras da TV dominaram o mercado por mais de duas décadas, entretanto, vemos, a cada dia, aumentar a preocupação dos pais com a qualidade da canção que seus filhos consomem. Diante de um mercado que vinha inescrupulosamente impingindo canções constituídas inclusive por conteúdos de cunho sexual, a atitude desses pais não poderia ser diferente.

            Do lado oposto, hoje temos pais que apreciam, tanto ou mais que seus filhos, a produção de canções, digamos, mais responsável. Tal fato levou alguns cancionistas a produzir obras para crianças que resvalam no gosto dos pais, consequentemente, elas são acometidas por um rebuscamento, tanto no plano musical quanto no plano lingüístico. Não obstante, essas canções insistem em encantar as crianças.         

            O semioticista lituano, radicado na França, Algirdas Julien Greimas concebeu o Percurso Gerativo do Sentido para dar conta da construção do sentido nos mais variados textos. Explica-nos a semiótica que a construção do sentido de um texto se dá em três etapas: (i) no nível profundo, o mais abstrato, que é o lugar do eixo das oposições semânticas (ou seja, um texto pode tratar de vida x morte, por exemplo); (ii) já no nível narrativo, intermediário, forma-se algo que podemos classificar como o esqueleto do texto. Este é o lugar dos actantes (isto é, em um determinado texto, essa relação vida x morte pode ser representada por um sujeito que entra em disjunção[4] com o objeto vida); (iii) No nível discursivo, mais concreto, a relação entre os actantes é revestida de concretude. Então, aquela disjunção do sujeito com o objeto vida pode ser revestida por temas como assassinato, suicídio, acidente etc., e os actantes por figuras como “João que foi morto por Carlos” etc. Na verdade, esses níveis não existem efetivamente. O Percurso Gerativo do Sentido é um exemplo do que a semiótica chama “simulacro metodológico”.

            Quando o plano do conteúdo (PGS) entra em contato com um plano de expressão (ou vários deles, caso das linguagens sincréticas), como o cinema e a canção, por exemplo, temos constituído um texto.

Por muito tempo a semiótica se ocupou da organização sintática dos mais variados textos. Na década de oitenta, o eminente semioticista lançou o livro De l´Imperfection (“Sobre a Imperfeição”) voltando o seu olhar para a relação entre uma obra artística e seu destinatário. Luiz Tatit afirma que

 

 

“a primeira coisa que salta aos olhos do semioticista, ao proceder à leitura de De l´Imperfection, é o fato de o sentido (seria outro sentido) resultar de uma fratura – do discurso, da narrativa, da espera, do devir...- e não mais da sutura anterior[5]

 

 

            Vamos compreender melhor tal proposição.  O sentido é construído no percurso gerativo por meio da ligação entre os seus níveis, como exemplificamos imediatamente acima. Daí, a sutura. Já na relação objeto artístico e sujeito apreciador, o que acontece, segundo Greimas, é uma flexibilização das funções, no momento da apreensão estética. Quando ouvimos uma canção que nos arrebata, sentimos, de imediato, como que uma fratura no fluxo contínuo da nossa cotidianidade. Tudo acontece como se nosso cotidiano fosse um fluxo sem sentido – dado o modo automático de nossas ações – e, ao depararmos com uma obra artística que nos encanta, esse fluxo abrisse uma fenda temporal, durante a qual fruíssemos sua beleza.

Nesse momento, por instantes, a obra passa a ser o sujeito que age sobre nós, ouvintes, que nos portamos de maneira passiva tal como um objeto, e, em seguida, retornamos à posição de sujeito observador. Daí, a flexibilidade de funções de que falávamos. Quando isso acontece, lançamos mão de nossa capacidade de perceber o sentido da beleza, capacidade que conhecemos pelo nome de “estesia”. No caso da canção, tanto a melodia como a letra concorrem para tal arrebatamento, ou seja, tanto o conteúdo como a expressão (ou ambos concomitantemente) pode nos levar ao enlevo da estesia, ao momento estético.

            E no caso daquela criança que mal consegue falar e compreender o que as outras pessoas falam e mesmo assim se quedam extasiadas diante de um filme, uma peça de teatro e, principalmente, de uma canção? Acreditamos, nesse caso, que o arrebatamento se dê no nível “tímico”. Explicamos. 

           Certa vez, uma mãe, que acabara de assistir a um espetáculo musical infantil, comentou que seu filho maior tinha adorado o espetáculo e o outro, menor, não tinha entendido tudo, mas tinha “sentido”.

Muitas vezes, ao tentar lembrar de uma canção que nos encantou em algum momento das nossas vidas, recordamos primeiro a melodia e apenas alguns fragmentos da letra. Não é raro que, estando próximo de outras pessoas, a letra seja “reconstruída” em conjunto. Este fato nos leva a crer que, inconscientemente, damos mais importância para a melodia do que para a letra, pois, embora sejamos falantes, lembramos primeiro da expressão musical da canção. Em outras palavras, primeiramente somos arrebatados pelos estímulos somáticos da melodia de uma canção temática ou psíquicos de uma canção passional[6], para depois nos interessarmos pelo que diz sua letra. Temos então que a letra é da ordem do inteligível e a melodia da ordem do sensível, e “timia” é a relação sensível do sujeito corporal com o seu meio. Portanto, mesmo que não sejamos capazes de compreender a letra de uma canção, ou a gramática musical do seu discurso melódico, estamos propensos a ser arrebatados por ela por força do elemento tímico, que é da ordem do afetivo elementar.

Quando ouvimos um trovão - ou um outro estrondo qualquer -, podemos ficar apreensivos, dada a relação que fazemos imediatamente entre a expressão sonora e os possíveis conteúdos que podem a ela estar ligados. E quando um bebê ouve o mesmo estrondo e começa a chorar mesmo sem a competência para estabelecer tais relações, estamos diante de que fenômeno? Diante de um fenômeno tímico. A criança não sabe interpretar tais índices, mas, de acordo com a sua percepção das reações de seus próximos – a mãe principalmente-, já os sente de maneira disfórica, assim como os bebês, e mesmo as crianças maiores, não são capazes de perceber todas as nuanças lingüísticas e musicais de “O Zotro” e “Gramática”, mas sentem no corpo o sentido de sua beleza.

A semiótica defende que o que sentimos durante o momento estético é “nostalgia da perfeição”, pois postula um lugar onde sujeito e objeto são a mesma coisa, habitam um mesmo corpo. Somente após uma cisão primordial é que o sentido emerge. Desse modo, o sentido surge da busca do sujeito por um objeto. Esse lugar estaria aquém do nível fundamental, ou seja, seria o espaço tímico, onde um fluxo contínuo aguardaria a cisão primordial. Para termos uma idéia do que seria esse espaço tímico, basta que Imaginemos a “massa amorfa” que habita nossas mentes antes de proferirmos qualquer enunciado. Somente após uma cisão na continuidade dessa massa é que o sentido de um discurso pode emergir.

O mito católico da criação da mulher ilustra tal proposição de maneira exemplar. Se Eva foi criada a partir de um pedaço de Adão, isso quer dizer que, inicialmente, os dois constituíam um só corpo. Depois da separação, homem e mulher buscam-se mutuamente por toda a vida, revezando-se nas posições de sujeito e de objeto de desejo. Da mesma maneira, durante a gestação, mãe e filho constituem um só corpo até a separação efetuada por meio do corte do cordão umbilical, e também buscam-se pelo resto da existência. Donde concluímos que o sujeito só ganha existência a partir de sua relação com um objeto e vice-versa.

Greimas afirma que, no momento estético, nosso olhar (ou nossa audição) sofre um “tressaillement” (segundo os dicionários franceses, um conjunto de vibrações ou estremecimentos musculares que agitam bruscamente o corpo, sob o efeito de uma emoção ou de uma sensação inesperada). Acreditamos que seja exatamente isso que aconteça com a criança que escuta canções como “O Zotro” ou “Gramática”, isto é, embora ela ainda não seja capaz de fruir a obra cancional em sua plenitude, já consegue, por meio de uma sensibilidade tímica, estabelecer com ela uma relação de sujeito e objeto. E, embora ainda não seja capaz de estabelecer conscientemente juízos de valor, que por definição são da ordem do inteligível, seu corpo, por meio da sensibilidade, já é capaz de articular um mínimo de sentido. Talvez seja por isso que figuras disfóricas, como bruxas e monstros, atraiam sua atenção tanto quanto a de fadas e anjinhos.

            Com a ajuda dos pais – ou de outras instâncias educadoras -, a partir da freqüência de seu contato com as obras cancionais, a criança começa a articular sua sensibilidade tímica em percepção eufórica ou disfórica. Então, de maneira incipiente, estará apta a construir juízos de valor.

            Se tanto o “lado bruxa” da canção infantil (as loiras da TV) como seu “lado fada” (Palavra Cantada, Hélio Ziskind, Movimento da canção Infantil Latino-americana e Caribenha, dentre outros) servem ao desenvolvimento da sensibilidade musical da criança – já que elas não são capazes de perceber o conteúdo de canção alguma -, por que optar pelo segundo? Porque, além de o “lado fada” da canção infantil proporcionar às crianças um ambiente estésico de prestígio social, ele contribui para o desenvolvimento de seu gosto estético e de sua inteligência inter e intrapessoal, por meio desenvolvimento da sua sensibilidade. Contribui, também, para o aumento de seu repertório cultural, em geral, e musical, cancional e lingüístico, especificamente, dado que os partidários do “lado fada” da canção infantil, por serem menos comprometido com o mercado, estão mais atentos às diversidades e isso repercute em suas composições. Com certeza, as crianças que conviverem com tal ambiente estético agradecerão futuramente aos seus pais por não terem sido expostas à usura do mercado, não sendo estimuladas a consumir, além das canções, subprodutos gerados por indústrias agregadas à indústria fonográfica. Agradecerão, também, por terem tido sua integridade infantil preservada, não sendo expostas a uma sexualidade anacrônica, e por terem crescido acreditando que o Brasil é um país maior e a América Latina um continente que merece respeito.

 

 

 



[1] Artigo escrito para comunicação no 7º Encontro da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha.

[2] Cancionista, mestre e doutor em linguística, na Área de semiótica da Canção.

[3] A letra correta é “Atirei o pau no gato tô/  Mas o gato tô/ Não morreu reu reu/ Dona Chica ca/ Admirou-se se/ Do berro, do berro que o gato deu”/ Miau!

[4] Contrário de conjunção.

[5] Tatit, Luiz. (1999) A duração estética In: Landowski, E., Dorra, R. e Oliveira, A. C. Semiótica, estesis, estética, São Paulo, EDUC/ Puebla, UAP, p. 197.

[6] Canções temáticas são aquelas mais velozes, cuja melodia é composta preferencialmente por temas reiterativos e cuja letra privilegia os recortes consonantais em detrimento dos alongamentos vocálicos. Em geral as canções temáticas tratam da conjunção entre sujeito e objeto. Já as canções passionais são canções de andamento mais lento, cuja melodia é composta por notas longas e cuja letra privilegia os alongamentos vocálicos em detrimento dos recortes consonantais. O conteúdo das canções passionais, em geral, trata da ausência ou falta do objeto.

domingo, 8 de janeiro de 2023

O que é harmonia?

 

O que é harmonia?


     

Resumidamente, podemos dizer que melodia consiste em notas musicais tocadas em sequência (uma de cada vez) e, harmonia, notas musicais – duas ou mais - tocadas simultaneamente. Explico melhor.

Uma melodia pode ser cantada a cappela, isto é, sem acompanhamento instrumental. Esta mesma melodia também pode ser tocada por um instrumento apenas; então dizemos que o instrumentista está solando a melodia. Solo é uma palavra de origem italiana que significa sozinho, em português. Embora não possamos dizer que uma instrumentista está tocando a capella, cantar a capella também é uma maneira de solar uma melodia, pois o intérprete está cantando sozinho.

Em geral, vemos cantores se apresentando acompanhados por um violão ou um piano, que são instrumentos - diferentemente da flauta, do saxofone, da clarineta etc. - capazes de tocar muitas notas ao mesmo tempo. Nesse caso, os instrumentos acompanhantes (violão e piano) estão tocando a harmonia, que é uma organização de blocos de notas musicais que servem de base para a melodia. A esses blocos de notas damos o nome de acordes. Por muito tempo, no Brasil, os acordes tocados no violão foram chamados de “posições”.  

Quando os cantores ou instrumentistas são acompanhados por um conjunto musical, pode acontecer de vários instrumentistas estarem tocando harmonias ao mesmo tempo – cavaquinho, violão, guitarra e piano, por exemplo -, ou a harmonia pode ser dividida entre os instrumentos do conjunto acompanhante, como no caso de uma orquestra em que cada instrumento pode estar tocando notas em sequência, mas, como elas soam simultaneamente, o conjunto faz soar a harmonia acompanhante.

Quando você ouvir um coral cantando, preste atenção e verá que cada voz canta uma melodia diferente, de modo a permitir que ocorram encontros de notas musicais que configurem uma harmonia. E quando ouvir o Chico Buarque cantando e tocando violão, saiba que, com a voz, ele canta a melodia e, com o violão, toca a harmonia.