quinta-feira, 16 de novembro de 2023


 

JABÁ X JOBIM – ou porque as rádios tocam a mesma coisa

        Tramitou no Congresso Nacional, a partir 2003, o projeto de lei 1.048/03 do deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), que pretendia tornar criminosa a prática do jabá, e foi  aprovada pela CCJ, em 2011. No entanto, até onde consegui apurar, o projeto de lei foi arquivado. Entendamos o que é e como funciona o jabá:

        Jabá é a forma que os donos de gravadoras encontraram para obrigar as rádios a tocar apenas as canções que se coadunem ao mercado, ou seja, sob o eufêmico título "verba de divulgação", as gravadoras oferecem propina para que as rádios toquem a produção de seus artistas. Algumas grandes redes, segundo a matéria da Folha de São Paulo publicada em 15 de abril de 2011, chegam a cobrar até R$ 20.000,00 para inserir apenas uma música de lançamento. Atualmente, esse valor certamente é muito maior.

         Antônio Rosa Neto, presidente do Grupo dos Profissionais de Rádio, afirma, na reportagem supracitada, que a lei de Fernando Ferro "é absolutamente impertinente e indevida" e que "se o objetivo é prestigiar a cultura, o Estado deveria criar escolas de arte. Música é antes de mais nada, negócio, entretenimento".

         É interessante notar até onde vai a bestialidade daqueles que elegem o capital como bandeira, profissão de fé.

          Não podemos esquecer que ninguém compra o direito de colocar uma rádio no ar. O proprietário de uma rádio lhe tem concedido, sim, este direito, porém, segundo regras e prescrições, dentre as quais figuram a veiculação de informação, a promoção da cultura e o respeito à família. Para que ele possa arcar com as despesas de manutenção de seu veículo de comunicação, o Governo lhe concede, também, o direito de comercializar os intervalos. No entanto, o senhor Rosa Neto pretende que seja legal a comercialização de todo o espaço, fato que, dentre outras coisas, leva à exclusão a produção dos cancionistas que não dispõem de grandes cifras para obrigar os "donos" de rádio a tocar suas canções. Por isso, somos privados de ouvir Rosa Passos, Ná Ozzeti, Guinga, Monarco, Chico Buarque, Tom Jobim, dentre muitos outros cancionistas donos de uma lavra de qualidade incontestável.

           Ouvi, certa vez, de um amigo, diretor artístico de uma grande rádio em Ribeirão Preto, que ele tinha espaço para veicular aproximadamente 120 canções e estava sendo obrigado a veicular 130. Um programador de uma outra grande rádio da mesma cidade me dissera o seguinte: "Gostaria muito de tocar sua canção, mas não posso". Atualmente, a função do programador de rádio se limita à organização da lista de canções impostas pelas grandes gravadoras.

            Chegou-me aos ouvidos o caso do cancionista Pedro Lee, que recebeu, a título de dádiva, de uma grande rádio ribeirão-pretana, cujo segmento é o pop-rock, algumas inserções em sua programação já comprometida com o jabaculê (nome original do jabá). Logo que começam a tocar sua canção, a rádio fora avisada por uma grande gravadora que, se continuasse tocando canções daquele cancionista, teria sua cota de jabá suspensa. Não preciso dizer que o cancionista foi excluído da programação. Curioso, eu questionei como a gravadora ficara sabendo daquele fato. Então, explicaram-me que havia um monitoramento,  via satélite, feito pelas gravadoras, para que pudessem elas controlar a programação das rádios. Algum tempo depois, fiquei sabendo que o esquema não era tão sofisticado assim. Conversando com um conhecido, em um bar próximo à minha casa, fiquei sabendo que ele e mais algumas pessoas, "ingenuamente", trabalham para grandes gravadoras, da seguinte maneira: cada um ouve de quatro a seis rádios por período e relacionam as músicas por elas tocadas, entregando, ao fim de um tempo pré-determinado, um relatório às gravadoras, que poderão, com ele em mão, conferir se suas ordens estão sendo cumpridas.

         É sabido, também, que a grande maioria dos locutores de rádio combinam previamente, fora do ar, o pedidos dos ouvintes que, infelizmente, se prestam a simular uma situação real quando entram ao vivo na programação.

         Nos últimos anos, surgiu uma nova modalidade de jabá, ainda mais repugnante: as gravadoras, além de pagar para tocar suas canções sertanejas, pagam para que as rádios não toque as da concorrência.

        Enfim, as rádios fingem veicular Tostines (toca porque é sucesso), mas, na verdade, veiculam vários Denorex (aquilo que parece, mas não é), que quase sempre não são nenhuma Brastemp. Dessa maneira, trocam Jobim por Jabá, fingindo não ver a poesia que a canção popular brasileira entorna no chão.

 

·        Artigo atualizado, originalmente escrito para a revista O III Berro, em 2011. Parece que a coisa não mudou muito.