JABÁ X JOBIM – ou porque as rádios tocam a mesma coisa
Tramitou
no Congresso Nacional, a partir 2003, o projeto de lei 1.048/03 do deputado
federal Fernando Ferro (PT-PE), que pretendia tornar criminosa a prática do
jabá, e foi aprovada pela CCJ, em 2011. No
entanto, até onde consegui apurar, o projeto de lei foi arquivado. Entendamos o
que é e como funciona o jabá:
Jabá é a forma que os donos de gravadoras encontraram para obrigar as
rádios a tocar apenas as canções que se coadunem ao mercado, ou seja, sob o eufêmico
título "verba de divulgação", as gravadoras oferecem propina para que
as rádios toquem a produção de seus artistas. Algumas grandes redes, segundo a
matéria da Folha de São Paulo publicada em 15 de abril de 2011, chegam a cobrar
até R$ 20.000,00 para inserir apenas uma música de lançamento. Atualmente, esse
valor certamente é muito maior.
Antônio Rosa Neto, presidente do Grupo
dos Profissionais de Rádio, afirma, na reportagem supracitada, que a lei de
Fernando Ferro "é absolutamente impertinente e indevida" e que
"se o objetivo é prestigiar a cultura, o Estado deveria criar escolas de
arte. Música é antes de mais nada, negócio, entretenimento".
É interessante notar até onde vai a
bestialidade daqueles que elegem o capital como bandeira, profissão de fé.
Não podemos esquecer que ninguém
compra o direito de colocar uma rádio no ar. O proprietário de uma rádio lhe
tem concedido, sim, este direito, porém, segundo regras e prescrições, dentre
as quais figuram a veiculação de informação, a promoção da cultura e o respeito
à família. Para que ele possa arcar com as despesas de manutenção de seu
veículo de comunicação, o Governo lhe concede, também, o direito de
comercializar os intervalos. No entanto, o senhor Rosa Neto pretende que seja
legal a comercialização de todo o espaço, fato que, dentre outras coisas, leva
à exclusão a produção dos cancionistas que não dispõem de grandes cifras para
obrigar os "donos" de rádio a tocar suas canções. Por isso, somos
privados de ouvir Rosa Passos, Ná Ozzeti, Guinga, Monarco, Chico Buarque, Tom
Jobim, dentre muitos outros cancionistas donos de uma lavra de qualidade
incontestável.
Ouvi, certa vez, de um amigo,
diretor artístico de uma grande rádio em Ribeirão Preto, que ele tinha espaço
para veicular aproximadamente 120 canções e estava sendo obrigado a veicular
130. Um programador de uma outra grande rádio da mesma cidade me dissera o
seguinte: "Gostaria muito de tocar sua canção, mas não posso".
Atualmente, a função do programador de rádio se limita à organização da lista
de canções impostas pelas grandes gravadoras.
Chegou-me aos ouvidos o caso do
cancionista Pedro Lee, que recebeu, a título de dádiva, de uma grande rádio
ribeirão-pretana, cujo segmento é o pop-rock, algumas inserções em sua
programação já comprometida com o jabaculê (nome original do jabá). Logo que
começam a tocar sua canção, a rádio fora avisada por uma grande gravadora que,
se continuasse tocando canções daquele cancionista, teria sua cota de jabá
suspensa. Não preciso dizer que o cancionista foi excluído da programação.
Curioso, eu questionei como a gravadora ficara sabendo daquele fato. Então,
explicaram-me que havia um monitoramento,
via satélite, feito pelas gravadoras, para que pudessem elas controlar a
programação das rádios. Algum tempo depois, fiquei sabendo que o esquema não
era tão sofisticado assim. Conversando com um conhecido, em um bar próximo à
minha casa, fiquei sabendo que ele e mais algumas pessoas,
"ingenuamente", trabalham para grandes gravadoras, da seguinte
maneira: cada um ouve de quatro a seis rádios por período e relacionam as
músicas por elas tocadas, entregando, ao fim de um tempo pré-determinado, um
relatório às gravadoras, que poderão, com ele em mão, conferir se suas ordens
estão sendo cumpridas.
É sabido, também, que a grande maioria
dos locutores de rádio combinam previamente, fora do ar, o pedidos dos ouvintes
que, infelizmente, se prestam a simular uma situação real quando entram ao vivo
na programação.
Nos últimos anos, surgiu uma nova
modalidade de jabá, ainda mais repugnante: as gravadoras, além de pagar para
tocar suas canções sertanejas, pagam para que as rádios não toque as da
concorrência.
Enfim, as rádios fingem veicular
Tostines (toca porque é sucesso), mas, na verdade, veiculam vários Denorex
(aquilo que parece, mas não é), que quase sempre não são nenhuma Brastemp.
Dessa maneira, trocam Jobim por Jabá, fingindo não ver a poesia que a canção
popular brasileira entorna no chão.
·
Artigo atualizado, originalmente escrito para a
revista O III Berro, em 2011. Parece que a coisa não mudou muito.