Como vimos no artigo anterior,
a tecnologia foi fator preponderante para que João Gilberto pudesse imprimir
uma nova bossa ao canto, uma maneira de cantar que privilegiasse a
inteligibilidade do componente lingüístico da canção em detrimento dos malabarismo
vocais.
Como afirma Luiz Tatit, em um artigo intitulado
"Quatro Triagens e Uma Mistura", foi uma triagem de cunho tecnológico
que possibilitou a gênese da canção popular brasileira, pois, não fosse o
trabalho pioneiro do tcheco naturalizado brasileiro Fred Figner e sua gravadora
"Casa Edson", as canções criadas principalmente na casa da Tia Ciata
não teriam tido a oportunidade de registro, posto que - como de fato até os
dias atuais - os cancionistas nunca se ocuparam do pentagrama para suas
criações, muito menos se preocuparam em aprender a ler e escrever para que
pudessem registrar suas melodias.
A essa altura o leitor deve está se perguntando: Não é
necessário "saber música" para ser um bom músico? Para ser um bom músico, sim. Todavia, nesta
série de artigos, estamos tratando daquele que equilibra texto e melodia;
daquele que estabiliza as entonações da fala transformando-as em melodias, ou
seja, do cancionista. Está provado que o pré-requisito para que um ser humano
componha uma canção popular é ter o domínio da fala, isto é, todo indivíduo que
sabe falar é um cancionista em potencial. Claro que a habilidade com a matéria musical aliada à competência locutória produzem os destaques e as distinções no âmbito
cancional.
Toda essa grande introdução tencionou preparar o terreno
para as seguintes indagações: Será que já não seria hora de os cantores líricos
lançarem mão deste maravilhoso instrumento de amplificação da voz chamado
microfone? Imagino que o leitor deva estar novamente inquieto, pensando: Mas
não é isso que "Os Três Tenores" vêm fazendo? Eu esclareço. Quando
falo em lançar mão do microfone, não estou querendo inventar novamente a roda,
e, sim, investigar se, com sua ajuda, não seria possível aos cantores líricos
diminuir os esforços de projeção da voz, atenuando, dessa maneira, as
alterações das articulações dos órgãos do aparelho fonador, fato que garantiria
uma melhor inteligibilidade do texto verbal das peças por eles interpretadas.
Ou será que tal alteração na energia de emissão dessas peças constituiria uma
heresia? Certo é que o público ganharia uma maior possibilidade de fruição.
Por falar em fruição, será que nossos hábeis letristas
não seriam capazes de fazer traduções desses textos para que nós, pobres
mortais, pudéssemos assistir a uma ópera compreendendo aquilo que está sendo
cantado? Ou será que tal proposta, embora factível, mantém-se virtual, pois,
caso fosse levada a cabo, macularia as indeléveis obras-primas do
bel canto?
Todos devem se lembrar de que Caetano Veloso, na letra de
sua magnífica canção "Língua", disse o seguinte: "Se você tem
uma ideia incrível!,/ é melhor fazer uma canção/ está provado que só é
possível/ filosofar em alemão". Ao que tudo indica, parece que só é
possível cantar ópera em italiano, alemão e francês.
Como não pretendo escrever a quarta parte deste artigo,
devo tecer as considerações finais.
Primeiro, não tenho nada contra as óperas e sim contra
aqueles que, acreditando serem devotos de uma arte superior, menosprezam o
nosso produto cultural mais bem acabado, a
saber a canção popular brasileira.
Segundo, acredito verdadeiramente que, mais que
intermináveis cursos de formação de público para as óperas clássicas, a
tradução de seus textos para a língua portuguesa, juntamente com a utilização
de um sistema de amplificação de voz, poderiam causar um real aumento de
público para este tipo de espetáculo e a conseqüente melhora da autoestima
daquele espectador em potencial que se
ressente de não "entender de ópera".
Pra terminar, gostaria de lembrar ao público leitor que a
roupa de gala e o semblante sisudo são dispensáveis para que se possa ter
prazer ao assistir espetáculos operísticos.
Leia os dois artigos
anteriores que fazem parte desse conjunto de três artigos nos links abaixo.
Parte 1: https://blogdomarciocoelho.blogspot.com/2023/11/grandes-operas-nao-toleram-nem-um.html
Parte 2: https://blogdomarciocoelho.blogspot.com/2024/01/grandes-operas-nao-toleram-nem-um.html