sexta-feira, 19 de abril de 2024

“Grandes óperas não toleram nem um minuto de atraso... Bom motivo para não ir.” (terceira parte)

 

                                  


                Como vimos no artigo anterior, a tecnologia foi fator preponderante para que João Gilberto pudesse imprimir uma nova bossa ao canto, uma maneira de cantar que privilegiasse a inteligibilidade do componente lingüístico da canção em detrimento dos malabarismo vocais.

            Como afirma Luiz Tatit, em um artigo intitulado "Quatro Triagens e Uma Mistura", foi uma triagem de cunho tecnológico que possibilitou a gênese da canção popular brasileira, pois, não fosse o trabalho pioneiro do tcheco naturalizado brasileiro Fred Figner e sua gravadora "Casa Edson", as canções criadas principalmente na casa da Tia Ciata não teriam tido a oportunidade de registro, posto que - como de fato até os dias atuais - os cancionistas nunca se ocuparam do pentagrama para suas criações, muito menos se preocuparam em aprender a ler e escrever para que pudessem registrar suas melodias.

            A essa altura o leitor deve está se perguntando: Não é necessário "saber música" para ser um bom músico?  Para ser um bom músico, sim. Todavia, nesta série de artigos, estamos tratando daquele que equilibra texto e melodia; daquele que estabiliza as entonações da fala transformando-as em melodias, ou seja, do cancionista. Está provado que o pré-requisito para que um ser humano componha uma canção popular é ter o domínio da fala, isto é, todo indivíduo que sabe falar é um cancionista em potencial. Claro que a  habilidade com a matéria musical aliada  à competência locutória produzem os  destaques e as distinções no âmbito cancional.

            Toda essa grande introdução tencionou preparar o terreno para as seguintes indagações: Será que já não seria hora de os cantores líricos lançarem mão deste maravilhoso instrumento de amplificação da voz chamado microfone? Imagino que o leitor deva estar novamente inquieto, pensando: Mas não é isso que "Os Três Tenores" vêm fazendo? Eu esclareço. Quando falo em lançar mão do microfone, não estou querendo inventar novamente a roda, e, sim, investigar se, com sua ajuda, não seria possível aos cantores líricos diminuir os esforços de projeção da voz, atenuando, dessa maneira, as alterações das articulações dos órgãos do aparelho fonador, fato que garantiria uma melhor inteligibilidade do texto verbal das peças por eles interpretadas. Ou será que tal alteração na energia de emissão dessas peças constituiria uma heresia? Certo é que o público ganharia uma maior possibilidade de fruição.

            Por falar em fruição, será que nossos hábeis letristas não seriam capazes de fazer traduções desses textos para que nós, pobres mortais, pudéssemos assistir a uma ópera compreendendo aquilo que está sendo cantado? Ou será que tal proposta, embora factível, mantém-se virtual, pois, caso fosse levada a cabo, macularia as indeléveis obras-primas do bel canto?   

            Todos devem se lembrar de que Caetano Veloso, na letra de sua magnífica canção "Língua", disse o seguinte: "Se você tem uma ideia incrível!,/ é melhor fazer uma canção/ está provado que só é possível/ filosofar em alemão". Ao que tudo indica, parece que só é possível cantar ópera em italiano, alemão e francês.

            Como não pretendo escrever a quarta parte deste artigo, devo tecer as considerações finais.

            Primeiro, não tenho nada contra as óperas e sim contra aqueles que, acreditando serem devotos de uma arte superior, menosprezam o nosso produto cultural mais bem acabado, a  saber a canção popular brasileira.

            Segundo, acredito verdadeiramente que, mais que intermináveis cursos de formação de público para as óperas clássicas, a tradução de seus textos para a língua portuguesa, juntamente com a utilização de um sistema de amplificação de voz, poderiam causar um real aumento de público para este tipo de espetáculo e a conseqüente melhora da autoestima daquele  espectador em potencial que se ressente de não "entender de ópera".

            Pra terminar, gostaria de lembrar ao público leitor que a roupa de gala e o semblante sisudo são dispensáveis para que se possa ter prazer ao assistir espetáculos operísticos.

 

Leia os dois artigos anteriores que fazem parte desse conjunto de três artigos nos links abaixo.

 

Parte 1: https://blogdomarciocoelho.blogspot.com/2023/11/grandes-operas-nao-toleram-nem-um.html

Parte 2: https://blogdomarciocoelho.blogspot.com/2024/01/grandes-operas-nao-toleram-nem-um.html