quinta-feira, 20 de julho de 2023

Estesia e Canção Infantil

 

ESTESIA E CANÇÃO INFANTIL[1]

Márcio Coelho[2]


 

            Há muito, tenho observado a dificuldade que alguns textos apresentam às crianças, no que concerne à apreensão de seu conteúdo. Notem que estou utilizando o termo “texto” na acepção da semiótica de linha francesa, ou seja, como qualquer objeto de significação: um filme, uma história em quadrinhos, uma canção popular etc. No presente artigo, especialmente, abordarei a ocorrência desses problemas em textos de ordem auditiva e/ou visual.

            Chamou-me a atenção para esse assunto uma HQ da Turma da Mônica, na qual o personagem Dudu, um menino não alfabetizado, observando uma turma de meninas que brincavam de roda, questiona o conteúdo dos brinquedos cantados. As meninas cantavam: “Escravos de Jó jogavam caxangá...”, Dudu intervém querendo saber quem era aquele tal de Jó e por que ele tinha escravos, fazendo a defesa dos direitos trabalhistas. Em seguida, pergunta às meninas o que é caxangá. Como nenhuma delas soube responder, foi para casa consultar a sua mãe. Pouco tempo depois, retorna com a seguinte resposta: “Caxangá é um decápode, braquiúro, da família dos portunídeos, mas também pode ser chamado caranguejo” (na verdade, os dicionários dão siripuã como sinônimo de canxangá, portanto, caxangá é siri e não caranguejo). Dudu faz a defesa dos animais, afirmando que os escravos de Jó poderiam jogar palitinhos, em vez de caranguejos. Daí, ele segue questionando o conteúdo dos brinquedos cantados, até que as meninas se aborrecem e dele se afastam. Caminhando, mais à frente, Dudu encontra outra turminha brincando: “Eu fui no Itororó beber água e não achei...” Imediatamente, Dudu interpela as meninas, indagando o porquê de no Itororó não ter água: “seria por causa de um racionamento?” A história termina.

            Qual de nós não cantou “Atirei o pau no gato” da seguinte maneira:

 

“Atirei o pau no gato tô 

Mas o gato tô

Não morreu reu reu

Dona Chica ca

Dimirô cê cê

Do berrô, do berrô

Que o gato deu

Miau[3]!”

 

            Privilegiando a expressão em detrimento do conteúdo, ou melhor, a melodia em detrimento da letra, a canção transforma o substantivo paroxítono em oxítono, ao incidir o acento melódico sobre sua última sílaba, e berro vira “berrô”. O soldamento das notas musicais que incidem sobre as vogais “a” do último “ca” de “Chica ca”  e a mesma vogal de “admirou-se” anula o ataque da emissão da vogal do início do verbo pronominal, isto é, tudo funciona como um efeito de crase entre os dois “as”: “Dona Chica caa dmirou-se se”. Somado a esse (d) efeito de sentido está o fato de os brasileiros pronunciarem um “i” após consoantes mudas. No Brasil, fala-se “capitar”, em vez de captar; “impreguinar”, em vez de impregnar; portanto, é natural também que o vocábulo admirar seja pronunciado de maneira semelhante: “adimirar”. Dos vocábulos terminados em “ou”, que denotam um tempo passado, os falantes brasileiros suprimem o som do “u”, então ouvimos frases como as seguintes: (i) “A Ana ‘passô’ por aqui”, “A Fátima ‘namorô’ o Márcio”, em lugar de “A Ana passou por aqui”, “A Fátima namorou o Márcio”. Dessa maneira, o conteúdo do verbo pronominal se perde (“admirou-se” torna-se “dimiroce”), mas o vocábulo ganha outro sentido, pois, quando ouvimos “dimirô cê cê”, compreendemos o “d” - que deveria ser mudo, mas ganha do falante brasileiro a prótese “i” – como se fosse a preposição “de” (que também pronunciamos “di”), que denota  “procedência, origem, ponto de partida”. Então imaginamos (ou a criança imagina) que o brinquedo fala de uma certa Dona Chica que é natural ou moradora de “Mirocecê”; ou quem sabe ela é de “ Mirocecê do Berrô” e deu um gato (“do berrô que o gato deu”). Importante notar que, com exceção de “morreu”, todas as palavras que têm sua última sílaba repetida são paroxítonas. Tal repetição termina por acentuar a última sílaba dessas palavras, fazendo com que a tendência do ouvinte seja compreendê-las como oxítonas. Daí para inferências equivocadas em relação à tonicidade dos vocábulos é um pequeno passo.

            Se indagarmos às crianças sobre o conteúdo de “Atirei o pau no gato”, teremos muitas surpresas, embora, certamente, há unanimidade em relação à eficácia de sua expressão. É deveras improvável que alguma criança brasileira não tenha cantado com enorme prazer, ao menos uma vez na vida, “Atirei o pau no gato”, independentemente da apreensão de seu conteúdo, que, diga-se de passagem, trata de um crime contra a fauna, de uma violência gratuita, mas isso é outro assunto.

            Transportando essa questão para um ambiente em que a tradição escrita predomina sobre a tradição oral, ou seja, para o âmbito da erudição - em oposição ao folclórico, tratado até o momento -, verificamos que muitas canções para crianças, produzidas na atualidade, não primam por facilitar a apreensão de seu conteúdo, embora mantenham os pequenos ouvintes atentos, por vezes até extasiados: é o caso de “O Zotro”, de Márcio Coelho, e “Gramática”, de Sandra Peres e Luiz Tatit.

O Zotro

 

Márcio Coelho

 

O Zotro não me deixa sossegado

O Zotro fica olhando para mim

O Zotro com “esse zóio esbugaiado”

Sabe tudo, tá ligado

O Zotro não larga de mim

O Zotro é um bicho cabeludo

Não fale mal do Zotro por aqui

Senão o Zotro vai ficar zangado

E no sentido figurado

O Zotro mete a boca em mim

 

O Zotro vem

O Zotro vai

O Zotro encanta

O Zotro nasce como a fala:

Na garganta

Para espantar o mal do Zotro

A gente canta

Pra afugentá-lo, faz careta

Se levanta, se levanta, se levanta, se levanta

Bruuuuuuuuuuuu!

 

O Zotro vem chegando de mansinho

Tal como ectoplasma ou querubim

Às vezes quero até ficar sozinho

Não tem jeito, quando eu olho

O Zotro tá perto de mim

O Zotro também gosta de fofoca

O Zotro fala mal de qualquer um

Tem personalidade de boboca

Ele invoca, mas, enfim

É mais bobão do que ruim

Gramática

 

Sandra Peres e Luiz Tatit

 

O substantivo /é o substituto

Do conteúdo

O adjetivo /é nossa impressão

Sobre quase tudo

O diminutivo /é o que se aperta no mundo

E deixa miúdo

O imperativo /é o que aperta os outros

E deixa mudo

Um homem de letras /dizendo idéias

Sempre se inflama

Um homem de idéias /Nem usa letras

Faz ideograma

Se altera as letras /E esconde o nome

Faz anagrama

Mas se mostro o nome /Com poucas letras

É um telegrama

Nosso verbo ser /É uma identidade

Mas sem projeto

E se temos verbo /Com objeto

É bem mais direto

No entanto falta /Ter um sujeito

Pra ter afeto

Mas se é um sujeito /Que se sujeita

Ainda é objeto

Todo barbarismo /É o português

Que se repeliu

O neologismo /É uma palavra

Que não se ouviu

Já o idiotismo /É tudo que a língua

Não traduziu

Mas tem idiotismo /Também na fala

De um imbecil

            Não é preciso ser um especialista para inferir que as crianças que admiram essas duas canções - e outras canções desse tipo - não compreendem a integralidade do conteúdo manifestado.

            “O Zotro” faz uma brincadeira no nível da manifestação da língua; apresenta uma migração de fonema que produz uma sonoridade, embora comum, que pode causar estranheza a um estrangeiro estudante da língua portuguesa, por exemplo. O “s” do artigo definido “os” migra, no plano fônico, para o pronome indefinido “outros” (o           soutros). Da mesma maneira como acontece com “admirou-se” - em que o encontro vocálico “ou”, funciona como um “dígrafo”, ou seja, manifesta apenas um fonema -, o “ou” de “outros” é pronunciado como se aquele encontro vocálico fosse a notação de apenas uma sonoridade, então ouvimos “otro” no lugar de outros. Também não é raro o brasileiro suprimir o “s” no final de alguns plurais, principalmente dos mais regulares, em que se acrescenta apenas o “s”. Então, onde deveríamos ouvir “os outros”, ouvimos “o zotro”. Daí para criar um personagem não foi difícil. Logicamente esta figura antropomorfizada tinha de falar mal dos outros, ficar perto dos outros, importunar os outros, isto é, surgir exatamente nos momentos em que a “garganta” - ou melhor, o aparelho fônico - cria condições para o seu nascimento (“o Zotro nasce como a fala: na garganta”).

            Já a canção “Gramática” trata da língua em seu nível imanente, ou seja, trata de seus princípios de organização: regras sintáticas, classificação de palavras, figuras de linguagem etc., além de fazer poesia por meio da morfologia, quando mantém o pospositivo “grama” e agrega-lhe três antepositivos diferentes (“ideo”, “ana”, “tele”) para exemplificar modos de manifestação da escrita, de acordo com culturas e necessidades diversas (“ideograma”, “anagrama” e “telegrama”).

            Conclusão: é obvio que as crianças que gostam dessas duas canções não são capazes de perceber e apreciar essas peripécias lingüísticas, portanto, não é de seu componente fincado no inteligível, de seu conteúdo, enfim, de sua letra que os pequenos ouvintes destilam seu encanto. Claro que os ouvintes com um pouco mais de idade conseguem compreender aqui e ali algumas mensagens do conteúdo, mas, com certeza, no geral, não é essa compreensão que os leva a ouvir cada vez mais a canção de que gostam. Qual é a chave desse mistério, então?

A Estesia

            Os cancionistas com trabalho infantil que respeitam a integridade e a capacidade intelectual da criança e postulam um lugar no mercado – diga-se de passagem, dominado por pseudo artistas mais preocupadas com a venda de seus subprodutos do que com a qualidade da canção infantil -, sabem que é preciso agradar também os pais das crianças, pois quem compra CD são eles.

            As loiras da TV dominaram o mercado por mais de duas décadas, entretanto, vemos, a cada dia, aumentar a preocupação dos pais com a qualidade da canção que seus filhos consomem. Diante de um mercado que vinha inescrupulosamente impingindo canções constituídas inclusive por conteúdos de cunho sexual, a atitude desses pais não poderia ser diferente.

            Do lado oposto, hoje temos pais que apreciam, tanto ou mais que seus filhos, a produção de canções, digamos, mais responsável. Tal fato levou alguns cancionistas a produzir obras para crianças que resvalam no gosto dos pais, consequentemente, elas são acometidas por um rebuscamento, tanto no plano musical quanto no plano lingüístico. Não obstante, essas canções insistem em encantar as crianças.         

            O semioticista lituano, radicado na França, Algirdas Julien Greimas concebeu o Percurso Gerativo do Sentido para dar conta da construção do sentido nos mais variados textos. Explica-nos a semiótica que a construção do sentido de um texto se dá em três etapas: (i) no nível profundo, o mais abstrato, que é o lugar do eixo das oposições semânticas (ou seja, um texto pode tratar de vida x morte, por exemplo); (ii) já no nível narrativo, intermediário, forma-se algo que podemos classificar como o esqueleto do texto. Este é o lugar dos actantes (isto é, em um determinado texto, essa relação vida x morte pode ser representada por um sujeito que entra em disjunção[4] com o objeto vida); (iii) No nível discursivo, mais concreto, a relação entre os actantes é revestida de concretude. Então, aquela disjunção do sujeito com o objeto vida pode ser revestida por temas como assassinato, suicídio, acidente etc., e os actantes por figuras como “João que foi morto por Carlos” etc. Na verdade, esses níveis não existem efetivamente. O Percurso Gerativo do Sentido é um exemplo do que a semiótica chama “simulacro metodológico”.

            Quando o plano do conteúdo (PGS) entra em contato com um plano de expressão (ou vários deles, caso das linguagens sincréticas), como o cinema e a canção, por exemplo, temos constituído um texto.

Por muito tempo a semiótica se ocupou da organização sintática dos mais variados textos. Na década de oitenta, o eminente semioticista lançou o livro De l´Imperfection (“Sobre a Imperfeição”) voltando o seu olhar para a relação entre uma obra artística e seu destinatário. Luiz Tatit afirma que

 

 

“a primeira coisa que salta aos olhos do semioticista, ao proceder à leitura de De l´Imperfection, é o fato de o sentido (seria outro sentido) resultar de uma fratura – do discurso, da narrativa, da espera, do devir...- e não mais da sutura anterior[5]

 

 

            Vamos compreender melhor tal proposição.  O sentido é construído no percurso gerativo por meio da ligação entre os seus níveis, como exemplificamos imediatamente acima. Daí, a sutura. Já na relação objeto artístico e sujeito apreciador, o que acontece, segundo Greimas, é uma flexibilização das funções, no momento da apreensão estética. Quando ouvimos uma canção que nos arrebata, sentimos, de imediato, como que uma fratura no fluxo contínuo da nossa cotidianidade. Tudo acontece como se nosso cotidiano fosse um fluxo sem sentido – dado o modo automático de nossas ações – e, ao depararmos com uma obra artística que nos encanta, esse fluxo abrisse uma fenda temporal, durante a qual fruíssemos sua beleza.

Nesse momento, por instantes, a obra passa a ser o sujeito que age sobre nós, ouvintes, que nos portamos de maneira passiva tal como um objeto, e, em seguida, retornamos à posição de sujeito observador. Daí, a flexibilidade de funções de que falávamos. Quando isso acontece, lançamos mão de nossa capacidade de perceber o sentido da beleza, capacidade que conhecemos pelo nome de “estesia”. No caso da canção, tanto a melodia como a letra concorrem para tal arrebatamento, ou seja, tanto o conteúdo como a expressão (ou ambos concomitantemente) pode nos levar ao enlevo da estesia, ao momento estético.

            E no caso daquela criança que mal consegue falar e compreender o que as outras pessoas falam e mesmo assim se quedam extasiadas diante de um filme, uma peça de teatro e, principalmente, de uma canção? Acreditamos, nesse caso, que o arrebatamento se dê no nível “tímico”. Explicamos. 

           Certa vez, uma mãe, que acabara de assistir a um espetáculo musical infantil, comentou que seu filho maior tinha adorado o espetáculo e o outro, menor, não tinha entendido tudo, mas tinha “sentido”.

Muitas vezes, ao tentar lembrar de uma canção que nos encantou em algum momento das nossas vidas, recordamos primeiro a melodia e apenas alguns fragmentos da letra. Não é raro que, estando próximo de outras pessoas, a letra seja “reconstruída” em conjunto. Este fato nos leva a crer que, inconscientemente, damos mais importância para a melodia do que para a letra, pois, embora sejamos falantes, lembramos primeiro da expressão musical da canção. Em outras palavras, primeiramente somos arrebatados pelos estímulos somáticos da melodia de uma canção temática ou psíquicos de uma canção passional[6], para depois nos interessarmos pelo que diz sua letra. Temos então que a letra é da ordem do inteligível e a melodia da ordem do sensível, e “timia” é a relação sensível do sujeito corporal com o seu meio. Portanto, mesmo que não sejamos capazes de compreender a letra de uma canção, ou a gramática musical do seu discurso melódico, estamos propensos a ser arrebatados por ela por força do elemento tímico, que é da ordem do afetivo elementar.

Quando ouvimos um trovão - ou um outro estrondo qualquer -, podemos ficar apreensivos, dada a relação que fazemos imediatamente entre a expressão sonora e os possíveis conteúdos que podem a ela estar ligados. E quando um bebê ouve o mesmo estrondo e começa a chorar mesmo sem a competência para estabelecer tais relações, estamos diante de que fenômeno? Diante de um fenômeno tímico. A criança não sabe interpretar tais índices, mas, de acordo com a sua percepção das reações de seus próximos – a mãe principalmente-, já os sente de maneira disfórica, assim como os bebês, e mesmo as crianças maiores, não são capazes de perceber todas as nuanças lingüísticas e musicais de “O Zotro” e “Gramática”, mas sentem no corpo o sentido de sua beleza.

A semiótica defende que o que sentimos durante o momento estético é “nostalgia da perfeição”, pois postula um lugar onde sujeito e objeto são a mesma coisa, habitam um mesmo corpo. Somente após uma cisão primordial é que o sentido emerge. Desse modo, o sentido surge da busca do sujeito por um objeto. Esse lugar estaria aquém do nível fundamental, ou seja, seria o espaço tímico, onde um fluxo contínuo aguardaria a cisão primordial. Para termos uma idéia do que seria esse espaço tímico, basta que Imaginemos a “massa amorfa” que habita nossas mentes antes de proferirmos qualquer enunciado. Somente após uma cisão na continuidade dessa massa é que o sentido de um discurso pode emergir.

O mito católico da criação da mulher ilustra tal proposição de maneira exemplar. Se Eva foi criada a partir de um pedaço de Adão, isso quer dizer que, inicialmente, os dois constituíam um só corpo. Depois da separação, homem e mulher buscam-se mutuamente por toda a vida, revezando-se nas posições de sujeito e de objeto de desejo. Da mesma maneira, durante a gestação, mãe e filho constituem um só corpo até a separação efetuada por meio do corte do cordão umbilical, e também buscam-se pelo resto da existência. Donde concluímos que o sujeito só ganha existência a partir de sua relação com um objeto e vice-versa.

Greimas afirma que, no momento estético, nosso olhar (ou nossa audição) sofre um “tressaillement” (segundo os dicionários franceses, um conjunto de vibrações ou estremecimentos musculares que agitam bruscamente o corpo, sob o efeito de uma emoção ou de uma sensação inesperada). Acreditamos que seja exatamente isso que aconteça com a criança que escuta canções como “O Zotro” ou “Gramática”, isto é, embora ela ainda não seja capaz de fruir a obra cancional em sua plenitude, já consegue, por meio de uma sensibilidade tímica, estabelecer com ela uma relação de sujeito e objeto. E, embora ainda não seja capaz de estabelecer conscientemente juízos de valor, que por definição são da ordem do inteligível, seu corpo, por meio da sensibilidade, já é capaz de articular um mínimo de sentido. Talvez seja por isso que figuras disfóricas, como bruxas e monstros, atraiam sua atenção tanto quanto a de fadas e anjinhos.

            Com a ajuda dos pais – ou de outras instâncias educadoras -, a partir da freqüência de seu contato com as obras cancionais, a criança começa a articular sua sensibilidade tímica em percepção eufórica ou disfórica. Então, de maneira incipiente, estará apta a construir juízos de valor.

            Se tanto o “lado bruxa” da canção infantil (as loiras da TV) como seu “lado fada” (Palavra Cantada, Hélio Ziskind, Movimento da canção Infantil Latino-americana e Caribenha, dentre outros) servem ao desenvolvimento da sensibilidade musical da criança – já que elas não são capazes de perceber o conteúdo de canção alguma -, por que optar pelo segundo? Porque, além de o “lado fada” da canção infantil proporcionar às crianças um ambiente estésico de prestígio social, ele contribui para o desenvolvimento de seu gosto estético e de sua inteligência inter e intrapessoal, por meio desenvolvimento da sua sensibilidade. Contribui, também, para o aumento de seu repertório cultural, em geral, e musical, cancional e lingüístico, especificamente, dado que os partidários do “lado fada” da canção infantil, por serem menos comprometido com o mercado, estão mais atentos às diversidades e isso repercute em suas composições. Com certeza, as crianças que conviverem com tal ambiente estético agradecerão futuramente aos seus pais por não terem sido expostas à usura do mercado, não sendo estimuladas a consumir, além das canções, subprodutos gerados por indústrias agregadas à indústria fonográfica. Agradecerão, também, por terem tido sua integridade infantil preservada, não sendo expostas a uma sexualidade anacrônica, e por terem crescido acreditando que o Brasil é um país maior e a América Latina um continente que merece respeito.

 

 

 



[1] Artigo escrito para comunicação no 7º Encontro da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha.

[2] Cancionista, mestre e doutor em linguística, na Área de semiótica da Canção.

[3] A letra correta é “Atirei o pau no gato tô/  Mas o gato tô/ Não morreu reu reu/ Dona Chica ca/ Admirou-se se/ Do berro, do berro que o gato deu”/ Miau!

[4] Contrário de conjunção.

[5] Tatit, Luiz. (1999) A duração estética In: Landowski, E., Dorra, R. e Oliveira, A. C. Semiótica, estesis, estética, São Paulo, EDUC/ Puebla, UAP, p. 197.

[6] Canções temáticas são aquelas mais velozes, cuja melodia é composta preferencialmente por temas reiterativos e cuja letra privilegia os recortes consonantais em detrimento dos alongamentos vocálicos. Em geral as canções temáticas tratam da conjunção entre sujeito e objeto. Já as canções passionais são canções de andamento mais lento, cuja melodia é composta por notas longas e cuja letra privilegia os alongamentos vocálicos em detrimento dos recortes consonantais. O conteúdo das canções passionais, em geral, trata da ausência ou falta do objeto.