quinta-feira, 14 de abril de 2022

Arranjo



 

      Fazer o arranjo de uma canção ou de uma música é, principalmente, prepará-la para ser apresentada ao público ou para ser gravada em CD ou DVD, por exemplo.

      Geralmente se diz que o arranjo é a reorganização de uma obra musical, já gravada (ou apresentada), para ser reapresentada por um conjunto diferente. Se arranjo tivesse apenas essa definição, nos créditos dos CDs dos quais constem canções inéditas não haveria a figura do arranjador, pois aquelas canções ainda não teriam sido manifestadas.

      No caso da canção popular, nós dizemos que a letra e a melodia são seu núcleo de identidade, isso porque é por meio desses elementos que podemos afirmar que uma canção do Lulu Santos, mesmo que gravada por um grupo e samba – em ritmo de samba – não deixará de ser do Lulu Santos nem de ter suas raízes melódicas no estilo deste compositor.

      De certa forma, quando uma pessoa está cantando no banheiro, já está fazendo um gesto mínimo de arranjo, porque já está escolhendo a voz que manifestará a canção; o tom em que ela deverá ser cantada; seu andamento e sua dinâmica.

      O leitor pode perguntar: “se não formos músicos, como saber fazer um arranjo?”. Bem, todos os dias fazemos operações químicas e físicas sem ser químicos ou físicos. Explico. Ao fazer uma laranjada, misturamos água, suco de laranja, açúcar e gelo (química). Ao atravessarmos uma rua, não calculamos a velocidade do automóvel em relação à distância que estamos dele para saber qual a velocidade que deveremos imprimir aos nossos passos para que não sejamos atropelados (física). Por que não podemos fazer um gesto mínimo de arranjo sem ser músicos?

      No âmbito profissional, o arranjador escolhe os instrumentos que participarão do arranjo de acordo com as características da música. O tom, de acordo com as características do intérprete. Também faz escolhas no que diz respeito a andamento, dinâmica, contrapontos, harmonia e muitas outras coisas. No entanto, não devemos esquecer de que, o arranjador poderá intencionalmente fazer um arranjo que vá de encontro às características da composição com o intuito de dialogar com o compositor, contradizendo-o. Raramente isso acontece, mas, acontece.


domingo, 9 de janeiro de 2022

 

Letra de Música 


 

      Os dicionários definem letra como “palavras que acompanham as músicas nas óperas, canções etc.” Ou “texto em verso de certas músicas, correspondente à parte que deve ser cantada”.

Primeiro, nem sempre se canta com letra. Portanto, podemos ter uma melodia cantada que não dependa de palavras - “Ária da “Bachianas nº 5”, por exemplo. Segundo, o termo libreto nomeia de maneira mais eficaz o componente linguístico da ópera; fato que nos dá o direito de reservar o termo “letra” para designar o texto da canção popular.

      O francês nomeia a letra da canção com o termo “parole” (palavra, discurso etc.) – talvez aí esteja a origem da expressão “palavra cantada” para designar a letra de canção – e “parolier” o autor das letras, reservando o termo “librettiste” para o autor do texto ou do argumento de uma ópera. E de modo semelhante procede o italiano.

      No Brasil, há algum tempo, abandonamos as palavras “poesia”, “poema”, “texto” e adotamos definitivamente “letra” para denominar as palavras cantadas de uma canção popular, assim como chamamos “letrista” o autor de letras e libretista o autor de libretos ou argumentos de ópera.

      Desde os tempos mais remotos, poemas são musicados por cantadores de lundu e modinha. A figura, a meu ver, que merece ser considerado o primeiro letrista é Catulo da Paixão Cearense.

      Personagem reverenciado tanto quanto contestado, Catulo colocou letra em melodia de grandes músicos, como Anacleto de Medeiros e Villa-lobos. O problema é que Catulo não só colocava letras em melodias já consagradas como, não raramente, trocava-lhes o título. Assim, João Pernambuco morreu sem conseguir provar que “Luar do Sertão” era, na verdade, seu coco “Engenho do Humaitá”, com letra de Catulo.

      Catulo chegou ao extremo de musicar “Iara”, de Anacleto de Medeiros, e processar Villa-lobos porque este utilizou a melodia de “Iara” em sua obra “Choros nº 10”. Atente, caro leitor, para o fato de que ele pôs somente a letra e a Chamou de “Rasga Coração”, portanto não tinha o direito de reclamar direitos pela melodia que, originalmente, era de Anacleto. Por essas e outras é que recebeu, de Radamés Gnattali, o pejorativo apelido de “Chatulo da Paixão Cearense.